Antes de prosseguirmos comentando os desmembramentos do território de Conceição da Boa Vista, necessário se faz recuperar informes sobre a ocupação e formação das fazendas. Conforme nos ensina Lígia Osório Silva, no livro Terras Devolutas e Latifúndio – Efeitos da Lei de 1850, “as relações entre os proprietários de terras e o Estado constituem um aspecto fundamental para a compreensão da dinâmica da sociedade brasileira” (1996, p. 13). Contudo, apesar de existirem muitos estudos sobre o assunto, ainda podemos encontrar publicações que repetem à exaustão algumas lendas sobre a posse da terra. Para não nos estendermos em demasia, vamos nos restringir ao que ocorreu em Conceição da Boa Vista, ou seja, ao século XIX.
Segundo apuramos,
depois que Pedro Afonso Galvão de
São Martinho foi
encarregado das
diligências de 1784 e 1786,
que oficialmente objetivavam
combater o
contrabando de
ouro no
Descoberto do Macuco, os
caminhos abertos por suas tropas tiveram
intensa utilização por tropeiros e
viajantes.
Nos primeiros anos do
século XIX, as
margens destes
caminhos começaram a
ser doadas
em sesmarias.
Entre 1813 e 1821, identificamos 46 sesmarias (
VEJA) localizadas
nos atuais municípios de
Além Paraíba, Argirita,
Aventureiro, Leopoldina e Pirapetinga. Destas, 14 foram concedidas aos Monteiro de
Barros, sendo
importante lembrar que uma
filha de Pedro Afonso Galvão de
São Martinho casou-se
com Manoel José Monteiro de
Barros (
filho) e deste
casal descendem os Galvão de
São Martinho
que viveram
em território de Conceição da Boa
Vista.
Dois sesmeiros, os irmãos Fernando Afonso e Jerônimo Pinheiro Correia de Lacerda, não tomaram posse das terras que receberam em 1817. Optaram por delegar a seus sobrinhos Francisco e Romão Pinheiro Correia de Lacerda, a incumbência de cumprir o que determinavam as cartas de doação: demarcar, povoar e cultivar as terras recebidas gratuitamente. Por uma opção interpretativa de autores do século passado, passou-se a considerar que Francisco Pinheiro Correia de Lacerda foi o fundador de Leopoldina. No nosso entendimento, porém, este personagem apenas tratou de vender as duas sesmarias e tomar posse de outras terras, vendendo-as também. Ou seja: transferiu aos compradores a obrigação de povoar e cultivar.
Os pioneiros de Conceição da Boa Vista não foram posseiros. Muitos compraram terras que Francisco Pinheiro Correia de Lacerda ocupou, sem contudo tê-las requerido como sesmarias. Sob certo ponto de vista, entende-se que seriam ocupações ilegais. Algumas exceções: os Monteiro de Barros ocuparam legitimamente as terras que ganharam; José Ferreira Brito e um seu irmão teriam comprado a sesmaria de um outro beneficiado; Bernardo José Gonçalves Montes ampliou seu domínio comprando parte de uma outra sesmaria concedida nos termos da lei.
Informa-nos Lígia Osório da Silva, citando Ulisses Lins (p.45), que a “medição e demarcação eram rudimentares”, sendo feitas da seguinte maneira: “O medidor enchia o cachimbo, acendia-o e montava o cavalo, deixando que o animal marchasse a passo. Quando o cachimbo apagava, acabado o fumo, marcava uma légua”. Portanto, não devemos considerar rigorosamente as medidas informadas nas cartas de sesmaria. Somente ao final do século XIX começaram a aparecer, em nossa região, demarcadores que usavam métodos mais adequados.
Até o advento da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, a propriedade da terra tinha um sentido provisório. Com este normativo pretendeu-se revalidar as concessões de sesmarias, desde que as terras estivessem sendo cultivadas. Mas a regulamentação só veio com o Decreto nº 1318 de 30 de janeiro de 1854, criando-se os mecanismos necessários à execução da Lei. Entre eles, a Repartição Geral das Terras Públicas, através de repartições criadas nas províncias, nomeou delegados e oficiais para procederem ao registro das terras. Assim é que vamos encontrar no Registro de Terras de Leopoldina, realizado entre o final de 1855 e meados de 1856, os ocupantes declarando suas terras, o que os transformou, daí em diante, em legítimos proprietários. No mesmo período o procedimento foi levado a efeito nas demais paróquias da nossa região, gerando os documentos que temos consultado e que se encontram no Arquivo Público Mineiro.
Esperamos ter deixado claro que não há como garantir a exatidão das medidas informadas pelos proprietários em 1856. Observamos que a provável extensão territorial do Curato de Conceição da Boa Vista, assim como de Leopoldina e outras localidades consultadas, era bem maior do que o total dos Registros existentes. Por outro lado, a falta de instrumentos adequados para a medição gerou números a serem vistos com muito cuidado. Nossa hipótese é de que havia ainda terra desocupada mas os proprietários evitaram que isto fosse percebido, não declarando corretamente todos os seus vizinhos. Dessa forma puderem ampliar suas posses ocupando áreas que, do contrário, seriam consideradas terras devolutas.
Sob este aspecto, há um documento que nos faz refletir sobre os problemas que vieram em seguida. Para a Arrecadação Tributária de 1858, parece-nos que foram consideradas todas as terras, e não só aquelas que constaram da declaração de 1856. Como resultado, muitos proprietários buscaram desonerar-se do imposto cobrado, alegando que suas fazendas estavam abaixo do limite de área sujeito a tributação.
Ao analisarmos os registros de compra e venda de bens de raiz, entre 1864 e 1884, concluímos que as unidades de medida utilizadas obedeciam à seguinte equivalência: 1 sesmaria = 225 alqueires ou 10,89 km2 Considerando-se a área de Recreio atualmente, teríamos aqui cerca de 22 sesmarias. Todavia, embora o território de Conceição da Boa Vista fosse aproximadamente o dobro do atual município de Recreio, encontramos apenas 41 registros, totalizando o equivalente a 19 sesmarias.
Em nosso próximos comentários voltaremos a tratar dos desmembramentos que reduziram o Curato de Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista ao pequeno distrito hoje pertencente a Recreio.
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